Transplantes de órgãos infectados com HIV

Transplantes de órgãos infectados com HIV

Os Estados Unidos se preparam para suspender a proibição em aceitar órgãos de doadores soropositivos, uma mudança que levaria a transplantes de órgãos entre pacientes infectados.

 



Uma legislação aprovada pela Câmara dos Representantes em 12 de novembro pretende encerrar a proibição sobre órgãos infectados com HIV, que já tem 25 anos. O documento também pede que o governo desenvolva diretrizes para o subsequente estudo de transplantes entre soropositivos.

Pesquisadores declaram que esses procedimentos poderiam ajudar a aliviar a imensa demanda por doadores de órgãos nos Estados Unidos. Mais de 120 mil pessoas estão esperando novos corações, pulmões, rins ou outros órgãos – uma lista que inclui pessoas com HIV, que estão vivendo mais graças a medicamentos antirretrovirais e outros avanços médicos.

Aproximadamente um quarto dos pacientes com HIV dos Estados Unidos também tem hepatite C, que em sua forma avançada só pode ser tratada com transplantes de fígado.

“Qualquer possível fonte de novos doadores deve ser levada em conta”, declara o cirurgião de transplantes Peter Stock, da University of California, San Francisco. Um estudo recente sugere que permitir doações de soropositivos saudáveis poderia tornar entre 500 e 600 órgãos adicionais disponíveis para transplante todos os anos.

Precedente Promissor

O Senado aprovou a legislação, conhecida como HIV Organ Policy Equity Act, em junho, e espera-se que o presidente Barack Obama a aprove e transforme em lei. Mas pode demorar um pouco até que quaisquer transplantes sejam feitos. Primeiro, a Rede de Busca e Transplante de Órgãos, uma entidade federal, precisará desenvolver padrões éticos e clínicos para guiar a pesquisa médica sobre transplantes entre soropositivos. Dorry Segev, cirurgião da Johns Hopkins University em Baltimore, Maryland, que defendeu a legislação, acredita que isso possa levar até um ano. 

Mas esses transplantes têm precedentes. Elmi Muller, cirurgiã de transplantes da Universidade da Cidade do Cabo na África do Sul, foi a pioneira dos transplantes de rim entre soropositivos, tendo conduzido 26 desde 2008.

“Eu senti que aqueles pacientes não tinham muita opção, não havia muito a perder”, declara Muller. Aproximadamente 20% da população da África do Sul está infectada com o HIV, mas aqueles que precisam de novos rins normalmente sequer são considerados para a diálise – muito menos para uma cirurgia de transplante. Até os medicamentos antirretrovirais se tornarem disponíveis há alguns anos, não se esperava que sulafricanos soropositivos vivessem muito tempo.

Também existem preocupações com “superinfectar” um paciente soropositivo com uma segunda cepa do vírus carregada por um órgão de doador, particularmente se a cepa for resistente a medicamentos antirretrovirais. E não está claro como medicamentos antirretrovirais, que aumentam a resposta imunológica, podem interagir com os medicamentos que pacientes de transplantes recebem para evitar que seus corpos rejeitem órgãos doados.

Doses altas, possivelmente tóxicas, de imunossupressores podem ser exigidas para evitar a rejeição de órgãos em um paciente que já esteja tomando medicamentos antirretrovirais. Algumas pesquisas sugerem que indivíduos soropositivos parecem ter uma tendência maior a rejeitar órgãos novos.

Nos últimos cinco anos, apenas dois dos 26 transplantes de Muller falharam, dando peso a seu argumento de que os benefícios dos procedimentos superam os riscos. Mas Muller observa que sua pesquisa também destaca a necessidade de estudos continuados para a segurança e eficácia de transplantes de doadores soropositivos. Enquanto pacientes de seu estudo geralmente são saudáveis, por exemplo, alguns dos rins recebidos por eles apresentam mudanças estruturais que podem ser provocadas pelo HIV – e Muller não sabe se essas mudanças são nocivas.  

Apesar dessas ressalvas, pesquisadores esperam que o estudo de transplantes entre soropositivos produza ideias clínicas sobre o funcionamento do HIV e do sistema imunológico humano. De acordo com Stock: “Há muito o que aprender”.

Este artigo foi reproduzido com permissão da revista Nature. O artigo foi publicado pela primeira vez em 13 de novembro de 2013.