O controle da malária é uma guerra travada em muitas frentes. Mosquiteiros e serpentinas repelem os insetos de seus almejados banquetes humanos e medidas ambientais eliminam ou limpam águas estagnadas onde os mosquitos gostam de se reproduzir.
Mas cientistas estão olhando além; mais exatamente, para a vida sexual íntima dos mosquitos. Em um novo estudo, divulgado no site científico PLoS Biology, pesquisadores da Harvard School of Public Health e da Universidade de Perugia, na Itália, mostram a importância de um hormônio transmitido pelo mosquito macho para a fêmea durante o sexo. Esse hormônio aciona um “interruptor”, um “sinal de acasalamento” como dizem os autores, para instruir a fêmea a desviar recursos para produzir um ovo. Bloquear a ativação desse mecanismo poderia ser uma nova forma de limitar as populações de mosquitos e, portanto, a propagação da malária.
Os coautores Flaminia Catteruccia e Francesco Baldini estão intimamente familiarizados com o mundo reprodutivo dos mosquitos. Eles trabalharam juntos em um estudo anterior sobre o papel de proteínas encontradas no sêmen do mosquito (depositado em uma massa coagulada chamada “plug de acasalamento”) para estimular mudanças nos corpos e no comportamento das fêmeas. Dessa vez, porém, a dupla e outros pesquisadores se concentraram na contribuição do hormônio esteróide masculino 20-hidroxi-ecdisona (20-E) encontrado no plug de acasalamento de Anopheles gambiae, a espécie de mosquito portadora do parasita Plasmodium da malária.
“Procuramos por ele, porque o 20E normalmente não é associado à reprodução masculina e queríamos entender por que os machos Anopheles gambiae produzem e transferem quantidades tão grandes desse hormônio para as fêmeas; já suspeitávamos que essa transferência pudesse ter um importante papel reprodutivo”, explicou Catteruccia.
Os pesquisadores descobriram que depois do ato sexual, o hormônio 20E interage com uma proteína no trato reprodutivo da fêmea que estimula a produção de ovos. O estudo também revelou como o mecanismo funciona: a interação do hormônio masculino com a proteína feminina aumenta o acúmulo de gordura nos ovários da fêmea, o que faz com que os ovos sejam produzidos mais rapidamente e em maior número. “Fêmeas virgens”, por outro lado, raramente desenvolvem ovos.
Catteruccia admitiu que, embora a pesquisa não tenha sido de modo algum abrangente, ela e Baldini não estavam cientes de nenhuma interação semelhante a essa no reino animal.
“Essa é a primeira vez em qualquer espécie de insetos que se mostrou que um hormônio masculino interage diretamente com uma proteína feminina e altera a capacidade reprodutiva da fêmea”, declarou Baldini.
De acordo com Catteruccia, as descobertas poderiam ser usadas para “atacar” os mosquitos e reduzir suas populações de duas formas: inibindo a produção do hormônio ou a sua interação com a fêmea. Isso poderia ser feito por meio de inseticidas atualmente utilizados para reduzir as populações de mosquitos e através da chamada técnica do inseto estéril. Esse método envolve a liberação de um grande número de insetos estéreis, geralmente machos, em uma população onde eles competem com machos naturais e acasalam com fêmeas para reduzir o número de insetos na próxima geração.
“Poderíamos manipular machos para que eles não produzam e transfiram um hormônio funcional”, sugeriu Catteruccia. “Esses machos alterados poderiam, então, ser soltos em estratégias de controle, como a técnica do inseto estéril, para suprimir as populações naturais de mosquitos”.
“Também poderíamos desenvolver inibidores que impeçam as fêmeas de desenvolver ovos. Esses inibidores poderiam ser incorporados nas fórmulas dos inseticidas usados atualmente para matar mosquitos (tanto inseticidas aplicados nos filós de mosquiteiros, como aerossóis residuais de uso doméstico interno)”, acrescentou.
“Desse modo, mesmo se o inseticida não matar o mosquito devido a uma resistência, ele não produzirá ovos, nem transmitirá a resistência a inseticidas para seus descendentes. Isso aumentaria a vida útil e a eficiência de inseticidas, nossa melhor arma contra a malária e os mosquitos”.
Sanjeev Krishna, professor de parasitologia molecular na St. George’s University of London, confirmou que a resistência a inseticidas é um problema e, embora estejam sendo feitos esforços para desenvolver novos produtos, novas formas de atacar as populações de mosquitos e a malária são bem-vindas.
“O controle de mosquitos, no qual uma limitação de sua reprodução seria um componente importante, é uma área comprovada de benefício na redução da mortalidade por malária através do uso de mosquiteiros impregnados com inseticidas”, afirmou.
“Os mosquitos estão se tornando resistentes a alguns inseticidas e estão passando por uma seleção natural para mudanças de comportamento que os adaptam para ficarem menos expostos aos mosquiteiros. Se for possível desenvolver uma nova abordagem, isso seria muito útil para o ‘kit geral de ferramentas’ contra a malária. As descobertas feitas nesse estudo estabelecem as bases para uma abordagem diferente, mas haverá muito mais a fazer antes que os resultados possam ser traduzidos em benefícios para o controle da malária”, declarou Krishna.
Outro trabalho que analisou aspectos biológicos para controlar o Anopheles gambiae (Anopheles vem do grego e significa “bom para nada”) incluiu a idéia de infectar os mosquitos com a bactéria Wolbachia, que os torna temporariamente resistentes ao parasita da malária. Para isso, porém, as fêmeas desempenham um papel crucial, já que a infecção bacteriana só pode ser transmitida entre elas e suas crias.
Quanto à erradicação de mosquitos tem sido argumentado que a aniquilação completa de algumas espécies portadoras do parasita da malária não prejudicaria sistemas ecológicos, especialmente em comparação com os enormes danos provocados em humanos.
A publicação on-line The Conversation é financiada pelas seguintes universidades: Aberdeen, Birmingham, Bristol, Cardiff, City, Glasgow Caledonian, Liverpool, Open, Salford, Sheffield, Surrey, University College London (UCL) e Warwick. Ela também recebe financiamento do Higher Education Funding Council for England (HEFCE), do Higher Education Funding Council for Wales (Hefcw), do Scottish Funding Council (SFC), do Reasearch Councils UK (RCUK), da Fundação Nuffield e do The Wellcome Trust.
Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation.. Leia o artigo original (em inglês).