Artigo recente analisa papel do arrasto gravitacional do Sol sobre partículas de matéria escura
Bilhões de partículas da invisível “matéria escura” provavelmente estão atravessando seu corpo neste exato momento, passando pelo o espaço entre seus átomos sem deixar um único rastro. De acordo com a concepção convencional, essas partículas seriam menos frequentes durante o inverno boreal e deveriam atingir seu pico por volta de 1º de junho. Mas um novo estudo sugere que esse cálculo está muito errado; o verdadeiro pico ocorre no começo do mês de março.
Acredita-se que a matéria escura constitua quase 27% da massa e energia totais do Universo, mas sua natureza é um mistério. Uma das melhores ideias da física é que essa matéria seja composta por partículas teóricas chamadas de WIMPs (partículas massivas de interação fraca, em inglês), mas até agora as WIMPs não foram detectadas. Seja o que for a matéria escura, ela parece se aglomerar em grandes nuvens chamadas de halos que abarcam galáxias, incluindo nossa própria Via Láctea. Conforme o sistema solar faz sua progressão regular pela Via Láctea, ele passa por esse halo, fazendo com que matéria escura bombardeie o Sol e os planetas com um “vento” estável, da mesma forma que mosquitos atingem o parabrisa de um carro em movimento. A Terra, no entanto, também gira ao redor do Sol. Astrofísicos supunham que quando nosso planeta se movia na direção contrária à do vento de matéria escura (o que ocorre durante o verão boreal), nós deveríamos ver um aumento percentual no número de partículas de matéria escura, e uma redução correspondente quando a terra viaja com a maré durante o inverno boreal.
Mas essas ideias já aceitas podem estar erradas. O novo estudo sugere que o padrão seria fortemente afetado pelos efeitos gravitacionais do Sol, que até então não eram levados em consideração. “Conforme WIMPs passam pelo sistema solar, o arrasto gravitacional do sol altera suas trajetórias individuais, mudando sua direção e velocidade”, explica Samuel Lee da Princeton University, um dos autores do novo artigo, que foi publicado em 3 de janeiro no periódico Physical Review Letters. “Para nossa surpresa, descobrimos que os efeitos podem ser bem drásticos”. Esse arrasto gravitacional também poderia fazer com que a densidade de partículas de matéria escura variem percentualmente, e deveriam modificar o pico sazonal em aproximadamente três meses. “É importante considerar os dois efeitos”, observa Lee.
O arrasto do Sol sobre a matéria escura é chamado de gravitational focusing, porque o sol age como uma lente para focalizar as rotas das WIMPs em sua direção. O fenômeno depende da energia e velocidade dessas partículas: WIMPs rápidas seriam menos afetadas porque passariam pelo sistema solar em velocidades muito altas para sofrer os efeitos do arrasto do Sol. O sol poderia, no entanto, alterar a rota de WIMPs menos energéticas, que se movessem mais lentamente. “O resultado geral é que a data do sinal máximo se afasta da data canônica de 1º de junho e vai para 1º de março”, explica Lee.
Os efeitos sazonais sobre a matéria escura podem impactar experimentos que pretendam detectar partículas de matéria escura diretamente. Esses experimentos são projetados para capturar as intangíveis WIMPs na rara ocasião de colidirem com partículas de matéria comum. Uma maneira de diferenciar WIMPs reais de partículas comuns é encontrar mais delas em um momento do ano que em outro. Levar a focalização gravitacional em conta poderia ser crucial para identificar um sinal de matéria escura de verdade – apenas WIMPs reais teriam um pico em março todos os anos. “Existem muitos experimentos e muitas situações relevantes em que esse efeito poderia ser muito importante”, declara o físico teórico Peter Graham da Stanford University, que não se envolveu no estudo. “Eu acho que esse é um trabalho excelente que aumenta nossa compreensão do sinal da matéria escura em um experimento de detecção direta”.
Vários projetos estão se aproximando das WIMPs e de outras partículas candidatas à matéria escura e devem ser capazes de encontrá-las, ou descartá-las, dentro de uma década ou menos. Um experimento controverso, o DAMA/Libra (Grande Volume de Iodeto de Sódio de Matéria Escura para Processos Raros, em tradução literal) no Laboratório Nacional Gran Sasso do Instituto Nacional de Física Nuclear (INFN), na Itália, alegou em 2008 ter detectado WIMPs e tê-las observado em maior número em março que em outras épocas do ano. Muitos físicos duvidaram da descoberta, especialmente porque seus resultados conflitaram com as descobertas nulas de outros detectores. Lee e seus colaboradores apontam que os resultados do DAMA/Libra de fato concordam com sua previsão de que o pico de matéria escura deveria se deslocar de junho para março. “A situação é meio nebulosa”, observa Lee. “Usar o ângulo de focalização gravitacional como segunda verificação nos ajudará a saber se esses eventos vêm da matéria escura. E experimentos futuros com certeza serão capazes de fazer uso desse efeito como segunda verificação”.