Física quântica - Dezenas de interpretações propostas na literatura científica: "Já contei 50, e creio que poderia chegar a uma centena"
A mecânica quântica é uma teoria científica que descreve muito bem experimentos com objetos microscópicos, como átomos, moléculas, e suas interações com a radiação (por exemplo, a luz). Nos últimos anos, ela tem sido incorporada em visões de mundo místicas, espiritualistas etc., para sustentar ideias como a de que nossa consciência pode se conectar à consciência cósmica.
"No contexto da física quântica, uma interpretação idealista é uma que afirma que a consciência humana tem um papel essencial no desdobramento dos fenômenos quânticos"
A extensão da teoria quântica a essas visões de mundo é possível porque a teoria quântica, conforme utilizada na física, apenas faz previsões sobre aquilo que se observa ou se mede no laboratório científico. Todos os físicos concordam com o “formalismo mínimo” da mecânica quântica, ou seja, com as regras e leis que fornecem as previsões da teoria sobre as probabilidades de se obterem diferentes resultados de medições. Mas a física quântica não diz nada sobre o que acontece por trás das observações (sobre as causas ocultas dos fenômenos) ou sobre como uma observação é efetuada (ou seja, sobre detalhes do processo de medição, ligando o objeto quântico ao sujeito observador).
Esquisitice X hegemonia
Isso faz com que os cientistas e filósofos busquem “interpretar” a mecânica quântica, de maneira a construir uma visão de mundo coerente a respeito da realidade que se encontra por trás das aparências e a respeito do papel do observador. Há dezenas de interpretações propostas na literatura científica (já contei 50, e creio que poderia chegar a uma centena), mas todas têm uma ou outra “esquisitice” (isto é, algum aspecto contra-intuitivo), como veremos à medida que formos caminhando. O fato de sempre haver alguma esquisitice faz com que nenhuma interpretação seja hegemônica. Dentre essas dezenas de interpretações, algumas podem ser classificadas como idealistas.
O termo “idealista” pode se referir a alguém que tenha um ideal, mas não é este o significado empregado aqui. Usamos o termo “idealismo” para designar qualquer corrente filosófica em que a mente (a “ideia”) tenha papel essencial na constituição do mundo, da realidade. Em geral, são as interpretações idealistas da teoria quântica que são incorporadas pelas visões de mundo mais místicas e espiritualistas. No contexto da física quântica, uma interpretação idealista é uma que afirma que a consciência humana tem um papel essencial no desdobramento dos fenômenos quânticos. Na década de 1930, alguns autores, especialmente dois físicos chamados London e Bauer, propuseram que a consciência humana seria responsável pelo colapso da onda quântica. Proponho-me a explicar o que é isso, nos textos que se seguirão a este.
Terei de fazer isso com calma, e apresentando figuras. Mas é importante deixar claro que estaremos iniciando nossa exploração com apenas uma das interpretações possíveis da teoria quântica: a própria noção de “colapso” não é aceita por todas as interpretações. Quem Somos Nós? Um exemplo de uma interpretação idealista é aquela apresentada no filme Quem Somos Nós? Quem tem uma visão de mundo mística ou espiritualista pode olhar para a física quântica em busca de novas ideias ou modelos. Mas o filme parece sugerir que a visão idealista é a única maneira de interpretar a teoria quântica. Isso é falso: a mecânica quântica não implica necessariamente o idealismo.
A maioria dos cientistas ortodoxos interpreta a mecânica quântica sem tirar as consequências idealistas apresentadas no filme. (Discutiremos algumas cenas do filme mais para frente). Porém, mesmo os cientistas ortodoxos terão que admitir que uma interpretação idealista, que se mantenha consistente com o formalismo mínimo da teoria quântica, é irrefutável, e portanto tem de ser admitida como uma possível explicação do mundo. Este é o campo da filosofia que iremos explorar aqui. No entanto, o físico Amit Goswami tem dado um passo além, e defendido a correção de experimentos recentes, que indicariam (entre outras coisas) que a consciência humana pode influenciar as probabilidades de ocorrência de resultados de medição. Mas isso vai contra o que diz o formalismo mínimo da teoria quântica. Com essa cartada, Goswami sai do terreno puramente filosófico das interpretações e adentra o terreno científico das afirmações testáveis. A maioria dos cientistas ortodoxos considera que os experimentos mencionados são “pseudociência” (falsa ciência). Dentro de alguns anos, haverá um amplo consenso sobre se tais experimentos são corretos ou não.