Física Quântica: A nascente biologia quântica

Física Quântica: A nascente biologia quântica

Em 2007, dois grupos da Universidade da Califórnia, em Berkeley, trabalhando sob a supervisão do químico Graham Fleming, obtiveram evidências convincentes de que macromoléculas envolvidas na fotossíntese apresentam oscilações eletrônicas que só podem ser descritas pela física quântica.

O que eles observaram, para moléculas resfriadas a temperaturas baixíssimas, foram batimentos quânticos, que estudamos no texto 62, “O que são batimentos quânticos” . Vimos que tais batimentos surgem quando um sistema possui duas (ou mais) vibrações de frequências muito próximas.

Sabe-se que quando a luz é absorvida por elétrons, em certos materiais, forma-se um estado excitado conhecido com “éxciton”, que envolve não só o elétron (de carga negativa) mas também o “buraco” (de carga positiva) deixado no material. Esses dois elementos mantêm-se ligados pela atração elétrica, e são considerados uma “quase-partícula”. Após um certo tempo, o elétron recombina com o buraco (ou seja, o éxciton decai), podendo emitir luz, como ocorre nos LEDs (diodos emissores de luz).

Éxcitons podem se propagar ao longo do material (sem que haja transporte de elétrons), como uma onda, e é assim que a energia absorvida pelo pigmento da macromolécula se transfere para o “centro de reação”, fora da molécula, que é onde ocorre a transferência de carga (no caso um elétron, não um mero éxciton) que inicia o armazenamento de energia (em açúcares) e a produção de oxigênio. Tradicionalmente, porém, supunha-se que a transferência dos éxcitons se dava de maneira clássica, com saltos entre sítios bem localizados, por causa do ruído do ambiente, que provocaria uma rápida perda da coerência quântica da excitação (vimos este processo de de coerência no texto 21, “A fronteira entre o quântico e o clássico”

O que os dois grupos mostraram é que a transferência de éxcitons se dá, de fato, como a propagação de uma onda não localizada. Além disso, como essas moléculas têm diversos centros absorvedores de luz (como ilustraremos abaixo), forma-se um estado que é uma superposição dos éxcitons gerados nos diferentes centros. Como a energia associada a cada um desses centros é distinta (devida a diferenças no ambiente molecular), pode-se detectar batimentos quânticos após lançar pulsos ultracurtos de laser e analisar a luz resultante.

Um exemplo de molécula “antena”, que captura e transfere luz para fotossíntese, é o sistema estudado por Engel et al. (2007), conhecido como complexo de Fenna-Matthews-Olson (FMO), e presente em bactérias de enxofre verdes, que vivem a grandes profundidades em lagos e oceanos, em ambiente de pouca luz. Este complexo possui três unidades iguais, uma das quais está representada na figura abaixo (fonte: R.J. Sension, Nature 446, 12 abr. 2007, p. 740).

A energia luminosa é capturada a partir de oito átomos de magnésio espalhados pelo “clorosomo” (desenhado como bolinhas interconectadas). Na figura, um círculo indica um átomo de magnésio (em verde escuro) cercado por quatro átomos de nitrogênio (em azul). Forma-se assim uma superposição de éxcitons gerados a partir desses oito centros, cada qual com energia diferente, o que resulta em batimentos quânticos. O grupo de Engel mediu batimentos ao longo de 660 femtossegundos, o que para nós é curtíssimo (há um milhão de bilhões de femtossegundos em um segundo, ou seja, 1 fs = 10 elevado a -15 s), mas para uma molécula é relativamente longo.

Na figura, veem-se também as proteínas (em amarelo), que servem de sustentação para orientar a macromolécula de forma a transferir a energia eficientemente para os centros de reação, que contêm enxofre e ferro, e estão fora da figura.

O procedimento experimental e a teoria envolvida são bastante complicados. Podemos reproduzir uma série de dados, junto com a interpolação teórica, que mostra os batimentos quânticos:

Este experimento de 2007 foi realizado à baixa temperatura de -196°C, o que deixou em aberto qual seria o comportamento da antena de luz à temperatura ambiente. Finalmente, em 2010, dois grupos mediram batimentos quânticos à temperatura normal: o grupo de Engel, e um grupo em Toronto comandado por Gregory Scholes, que trabalhou com uma alga (Collini et al., Nature 463, 04 fev. 2010, p. 644). Este resultado foi importante, pois muitos cientistas acreditavam, conforme já mencionamos, que o ruído do ambiente impediria a manutenção da coerência quântica. Trabalhando com o complexo FMO das figuras acima, Panitchayangkoon et al. (do grupo de Engel) mediram vibrações eletrônicas que duraram 300 fs a temperaturas fisiológicas (metade do tempo de decoerência da amostra fria, mas ainda um resultado significativo).

Para tentarmos entender o que acontece na captura de luz e transmissão de éxcitons, nessas antenas associadas à fotossíntese, é importante visualizar a luz não como um conjunto de fótons incidentes, mas como uma onda que interage simultaneamente com os diversos centros absorvedores (em torno dos átomos de magnésio), gerando uma onda de éxcitons não localizada, que é conduzida ao centro de reação. O comprimento de onda da luz incidente, no experimento, é de 808 nm (na região do infravermelho), maior do que o tamanho do clorosomo, que não passa de 200 nm (nanometros).

Por outro lado, parece razoável dizer que a transferência (recepção) de um elétron, que ocorre no centro de reação e inicia a cadeia de reações fotossintéticas, acontece de maneira clássica, sem a presença de superposições quânticas. Seria só neste momento que se poderia identificar a transferência de um quantum de energia da luz (o “fóton”) para o sistema fotossintético. Mas não se poderia associar um dos centros absorvedores de magnésio ao ponto exato em que o “foton” foi absorvido: esta formação de um éxciton se dá de maneira distribuída na macromolécula, em uma superposição de estados bem-localizados.

Este processo coerente é mais eficiente do que o caso em que apenas um dos centros absorvedores localizados é estimulado. Não está claro para mim o porque disso, mas Engel et al. (1997, p. 784) mencionam que “estados de superposição formados durante um rápido evento de excitação permitem que a excitação reversivelmente faça uma amostragem de taxas de relaxamento entre todos os estados de éxcitons componentes, dirigindo assim, de maneira eficiente, a transferência de energia para encontrar o escoadouro mais eficaz para a energia de excitação (que, no complexo FMO isolado, é o estado de menor energia). Quando visto desta maneira, o sistema está essencialmente realizando uma única computação quântica, percebendo vários estados simultaneamente e selecionando a resposta correta, que é indicada pela eficiência da transferência de energia. Na presença da transferência de coerência quântica, tal operação é análoga ao algoritmo de Grover [...]”.

De qualquer forma, essa otimização da eficiência da transferência de energia tem gerado uma discussão sobre se esse processo quântico se consolidou nos organismos fotossintéticos através do mecanismo de seleção natural, como uma adaptação a um ambiente de pouca luz, ou se o processo quântico se consolidou independentemente de sua vantagem adaptativa, muito pequena em ambientes com muita luz.

Especula-se também sobre outros efeitos quânticos em outros sistemas biológicos, distintos de moléculas associadas à fotossíntese. Propostas foram feitas para explicar a orientação de pássaros pelo campo magnético da Terra, e também para explicar a sensibilidade que o olfato teria para detectar vibrações moleculares (ver P. Ball, Nature 474, 16 junho 2011, p. 273), mas nenhuma dessas propostas tem uma confirmação experimental convincente, pelo menos por enquanto. E também não há propostas experimentalmente confirmadas envolvendo efeitos de coerência quântica (superposições quânticas) no cérebro – pelo menos por enquanto.